Que tipo de analista você é?

Tem se tornado muito recorrente, em minha clinica, a seguinte questão interrogada pelas pessoas que acompanho: Você é uma psicanalista diferente? Ou você instrumenta uma psicanálise moderna? Que tipo de psicanalista você é?

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Sempre me surpreendo com essas perguntas, porque também me pergunto: Do que se trata isso que eles chamam de diferente ou moderno? Será o jeito que falo? Será a forma com que manejo a transferência? Será meu acolhimento? Ou quem sabe até minha postura? Difícil responder…

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Contudo algumas observações me surgem à cabeça. Lembro-me de ter lido um livro chamado Cartas a um jovem terapeuta (Contardo Calligaris), num momento de minha trajetória profissional, que foi muito esclarecedor. Em suas páginas Calligaris descreve algumas características básicas que constituem um bom psicoterapeuta, assim entendi. Entre elas, ele destaca certo dom de estranheza e apreço pelo que é diferente ou exótico. Como também acrescenta que as marcas próprias de sofrimento forjam um bom terapeuta. Afinal, quem melhor para entender a dor senão aquele que já passou por ela, não é mesmo?

Sigmund Freud, médico neurologista  e fundador da psicanálise[11]

Isso, naquela época foi-me libertador. Porque todos aqueles estereótipos tão massificados na graduação como também pela mídia foram desbotando aos meus olhos. Percebi que mais do que trejeitos estereotipados (refiro-me a face de quem lê Estadão), silêncios longos e onomatopeias (refiro-me a o Hum Hum … Hã? Hãããã ….), o que forja um analista é a marca pessoal que se imprime na clinica de todo dia, através de uma singular trajetória de vida.

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Apesar de parecer uma crítica ao modelo midiático, não trato isso com esse tom. Até acredito que quando jovens em nosso percurso acadêmico, eles nos valem de alguma coisa… Protegem-nos dos erros tão comuns ao processo de formação e nos dão tempo para nos acostumarmos a esse lugar, de “suposto saber” sobre o outro. Contudo. crescemos e ganhamos corpo neste processo de aprendizado. Acabamos esquecendo-nos de questionar sempre, esse lugar que ocupamos, na clínica de cada um. Deixamos de nos reinventar nesse processo.

Nos textos de Freud encontramos a referência de um tripé analítico como fundadora de uma formação. Ele destaca que a formação em psicanálise se dá através de três pilares fundamentais. Primeiro ele pontua a importância da analise pessoal do analista. Até mesmo porque, a análise de nossos analisandos, avança até onde a nossa analise pessoal avança também. Então vocês devem estar perguntando: Se quero ser psicanalista vou fazer analise pessoal para sempre? A melhor resposta a isso seria que devemos fazer analise até o momento que desejamos e na proporção que permita a nossos analisandos avançarem também. Reflitam como achar que devem…

Outro pilar seria a supervisão psicanalítica. Esta tem uma importância clara, já que além de nos orientar sobre aquilo que é nosso, e do outro no setting terapêutico, também fornece consistência a esse lugar de formação, que vamos construindo a cada sessão e a cada caso. Recordando sempre que cada clínica é única, em sua construção e intervenção.

Por fim, ele destaca a importância dos estudos dos textos psicanalíticos. Sempre que me debruço novamente sobre um inscrito percebo que minha maturidade profissional confere novas cores e nuances, as palavras destacadas. Nunca é o mesmo texto!

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Agora, porque fiz todo esse preâmbulo? Para apenas sinalizar que não existem modelos certos e exatos, sobre que posição se deve tomar frente ao outro, no setting terapêutico. A maneira com que instrumentamos o saber psicanalítico só se torna viva, no momento exato que se pronuncia. E isso é atravessado pelo nosso percurso profissional e trajetória de vida. Também ira somar e contribuir aquilo de peculiar, a personalidade de cada um. Cada sujeito que senta num divã irá acionar no analista a necessidade, de certa forma de intervenção. Como saber isso? É só no aqui e agora que se faz a clinica.

Lendo recentemente uma entrevista dada por Gregorio Baremblitti ele faz uma referência, de que um terapeuta deve reinventar sem parar em si mesmo, sendo que seu si mesmo acaba dissolvendo-se no fluir do processo. Ele propõe introduzir qualquer recurso que possa catalisar o percurso. Então entendo, através disso, que o instrumentar psicanalítico deveria ser sempre aberto a novos manejos de sua instrumentação. Digo que a teoria funciona como uma base para a interpretação, mas as ferramentas de escuta serão construídas a cada situação e para cada caso. Ele ainda adverte que: Todas as certezas são suspensas, até a certeza de que tem que se analisar… Exceto que a “inspiração” é o que “cura”.

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Por isso, que mesmo que meus pés estejam plantados e respaldados por toda uma teoria, ainda assim, entendo que o maior saber em jogo é aquele que surge e se faz na demanda, do outro, a quem escuto. Faz-se num pedido velado e decifrado, somente no aqui e agora, a que nenhuma moldagem se submete. Por isso, posso responder agora que não pretendo fundar uma nova vertente teórica, nem tão pouco ser diferente ou moderna. Só apenas instrumento e atuo numa clínica que antes de ser minha, também é construção do outro. É potência de vida e construção do NOSSO!

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3 respostas para Que tipo de analista você é?

  1. Farley Rangel disse:

    Lesser Paula… uma observadora da vida! Gostei de ler e de compartilhar seu artigo. Obrigado por alimentar-nos com seus valiosos e interessantes conhecimentos 🙂

    • Paula Muniz disse:

      Eu quem tenho que agradecer sempre, pelas contribuições e generoso apoio, de todos que me seguem e gostam acompanhar meus escritos. Seu incentivo e sugestões tiveram um papel especial neste. Obrigada Farley!

  2. Danielle Schunk disse:

    Que texto esplêndido! para quem quiser ler o e-book de cartas a um terapueta: https://groups.google.com/forum/?fromgroups=#!topic/psi-ufal/3XwYMKZn0O8

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